Cara Hendye, amiga tão distante e tão querida,
Apenas hoje, meados de janeiro, escrevo
a carta que lhe prometi para o iniciozinho do ano, tão logo cessasse a
pirotecnia histérica que marca as transições em geral. As luzes de 2012 se
apagaram, os ventos de 2013 já sopram quentes, e apenas agora me senti disposto
a escrever-lhe. Isso comprova que, apesar das promessas natalinas de sermos
pessoas melhores, o novo ano em nada altera o nosso espírito procrastinador,
nossa mania brasileiríssima e humaníssima de adiar tudo que for possível, e às
vezes o impossível também.
Nem bem o ano se iniciou, andei
cansado de estar só neste mundo invisível. Pra passar o tempo, e arrumar alguma
diversão, inventei para mim uma paixão. Pensando que seria uma experiência facilitada
e amena, quanto me enganei! Fui brincar com o vento, entrei num torvelinho do
qual não soube fugir. Breve, mas intenso: apaixonei-me, entreguei-me, fui feliz,
e a vida então nos afastou, sem aviso e sem traumas. Fascinante: como um
encontro de liberdades que andam soltas pelo cosmos, e em algum ponto de sua
trajetória imprevisível acabam se tocando e, logo em seguida, se distanciando,
para nunca se cruzarem novamente.
Sendo você minha confidente única
– e predileta! –, conto o que se passou entre mim e aquela que enfeitiçou os
meus sentidos. Pra tentar explicar (mentira: pra que eu tente compreender) o
que aconteceu.
Contando os dias, vejo que nosso
encontro foi uma primavera: nenhuma ilusão além. Reparando bem, nossa história
foi verso, anverso e avesso – uma eternidade de agora. Haicai escrito de nuvem.
Um disco que não virou, eterno lado B de amores impossíveis. Um dia de muitos
anos. Um curta-metragem que começasse pelo fim.
Nosso caso foi urdido no silêncio
da madrugada.
Logo se acabou: em nota de rodapé,
na melancolia displicente de um telefonema, na pressa de um amor do fim dos
tempos, na curva do infinito.
Findou-se, mas deixou em mim a
beleza deste encontro de almas, e estou certo de que, mesmo separados, não
seremos mais as mesmas criaturas que fôramos antes.
Pelo que conto de minhas
incursões sentimentais, você vê que, afinal, não há grandes diferenças entre a
minha vida imaginada e essa tal vida real. Essas peraltices amorosas afligem igualmente
os corações humanos e aqueles que, como o meu, são feitos apenas de sonho.
Mande notícias suas e deste seu
mundo louco, que faz o meu parecer uma inofensiva brincadeira de criança.
Abraço carinhoso,
do sempre seu amigo,
Jorge