Dia desses, estando em outra cidade a
trabalho, fui convidada a visitar a casa da irmã do ex-namorado da minha colega
de trabalho. O parentesco retorcido interpretei como mau sinal, prenúncio de roubada,
mas na falta de propostas menos familiares e mais etílicas, acabei aceitando o
convite.
Entramos na residência suntuosa (para os
padrões locais), e logo no vestíbulo, ignorando toda pompa e sem fazer
cerimônia, uma barata cruzou nosso caminho. Não, caro leitor, não se trata de
uma metáfora kafkaniana. Foi uma barata mesmo, espécie blatella germanica do filo dos artrópodes, monstro insetídeo que, na mitologia feminina, representa a
encarnação de todos os males que um dia escaparam da caixa de Pandora. Eu bem
tentei ignorar, mas a própria dona da casa resolveu dar uma desculpa qualquer:
“Essas bichas estão em todos os lugares, dominando o mundo, não é mesmo?”. Pelo contexto, creio que se referia às
baratas. Continuou: “Ainda bem que você
não gritou”.
É claro que não gritei; será que me tomou
por alguma histérica tresloucada, só porque cheguei com os cabelos desgrenhados?
Não gritei, evidentemente, mas também não pude continuar com minha pequena
farsa de quem não viu nada. Num acesso de altruísmo, respondi alguma bobagem
inverídica, apenas para deixar a anfitriã menos constrangida: “- Ah, é assim
mesmo, lá em casa tem um tanto também”.
Péssima frase, mas a palavra pronunciada
não dá ré. Em vez de se sentir agradecida pela minha simpática reação, a mulher
me olhou com uma cara de asco, nojo de mim e dos meus supostos insetos, e só
pela educação que mamãe me deu é que não dirigi os maiores impropérios à dona
da casa com baratas. Apenas sorri e continuei andando, já arrependida por não
ter gritado e saído correndo dali enquanto ainda estava em tempo.
Ultrapassado o momento das conversas amenas,
fofocas e lugares-comuns, finalmente fui convidada à mesa. Quando penso que a
noite começará a me revelar suas delícias insuspeitas, de súbito me abandonam as
derradeiras esperanças: em lugar da cachacinha, que, por ser típica da região, eu
já contava como certa, ofereceram-me um lanche de empadinha com suco de polpa
de cacau. Numa palavra: broxante. Mas talvez nem tudo estivesse perdido.
Como eu nunca tinha experimentado suco de
cacau, acabei aceitando com relativa boa vontade, porque eu
queria saber se aquele líquido branco tinha gosto de chocolate (não tem). Estava
a ponto de esquecer meus recentes infortúnios, entregando-me de coração aberto
à degustação do tal suco de cacau, quando vejo que o copo que me deram veio com
marca de batom! Com calma tento dominar meu nojo, e me convencer de que um copo
mal lavado não é nem assim coisa tão grave. Entretanto, rapidamente minha mente
demoníaca vem me lembrar do inseto que vimos há pouco, subitamente todos os
elementos da cena passam a fazer sentido, começa a me subir uma espécie de
gastura nauseabunda, e de repente eu estou convencida de que a marca de batom tenha
sido feita pela boca da própria barata!
Foi um delírio que logo passou, mas, por precaução,
ajeitei discretamente o copo de modo que meus lábios tocassem apenas seu lado
ainda imaculado. Bebi o suco, pois já estava servido, mas recusei os quitutes
com veemência, argumentando que estava fazendo dieta. Quiseram saber qual, e eu
já ia respondendo “dieta da barata, comecei agora”, mas dessa vez o cérebro foi
mais rápido que a língua. Muito convicta de que sairia ilesa, inventei o regime
mais improvável que me ocorreu naquele momento: “dieta do chá das cinco, pela
qual sempre que o dia do mês for múltiplo de 5 eu só posso tomar infusões
preparadas com folhas de chá do Reino Unido”. Qual não foi meu terror quando percebi,
de soslaio, a anfitriã se dirigindo a um mato crescido na beirada do seu muro, já
me garantindo que havia ali uma moita importada da Inglaterra, que resultava
num chá delicioso que ela mesma prepararia.
Desconfio agora que a erva do chá que
acabei ingerindo era o mesmo matinho que serviu de esconderijo à barata que vimos
horas mais cedo, e que encontrei esmagada junto ao portão de saída, quando
finalmente pude me evadir dali. Naquela noite crudelíssima, nem eu nem a barata
tivemos escapatória.
Hendye Gracielle
*****
O desenho que adorna essa crônica é do
ilustrador Murilo Silva (murilosilvadesenhos.blogspot.com).
A figura foi capturada do blog: papasmiscleo.blogspot.com.br.
Para as pessoas que passam por este singelo
blog apenas para se deliciarem com os desenhos do Troche, não fiquem tristes,
ele voltará.
kkkkkkkkkkkkkkk ri alto!!! e nagibinho "o que foi mamãe? pq ta rindo assim?" kkkkkkkkkkk
ResponderExcluirEu imaginei toda a cena!!! toda, mesmo!
A sua cara de interrogação! kkkkkkkk
Tentanto desviar da barata... ai ai!
E o copo de batom...
Suco de cacau!!! é bonzinho!!! mas, não tem nada de chocolate, ne? que pena! rs
A dieta da barata foi a melhor!! Hilário!
Gra, a cada crônica tenho a certeza que vc é uma figurinha carimbada!!!
Eu queria ter visto isso! rs
Te amo ♥
Ei, cumadi! Valeu!
ExcluirEu até imagino Nagibinho te perguntando, com sotaque de baianinho: "tá rindo de quê, mãe?" Ai, que saudades...
Hendye, você é um barato!
ResponderExcluirTrocaralhos do cadilho!
ExcluirValeu, Fernando!
KKKKKKKKKKKKKKK' Adorei e Tbm ri muito,embora eu odeie baratas...
ResponderExcluirE de onde você tira essas ideias que o batom e a moita de chá eram da barata?! KKKKKK'
Cada vez que leio suas crônicas,conheço novas palavras.(que eu me lembre,nunca tinha visto naseabundas,só náseas e bunda,kkkkk..antes de procurar no Google,imaginei uma pessoa nauseando pela bunda...)Enfim...Adorei,e se fosse eu,sairia correndo de 1°..
Um beijo com batom ! rsrs
By:Barata
kkkkkkkkkkk.
ExcluirMinha filha, vou te ensinar mais uma coisinha.......
"Boca fechada não entra mosca".
Nos próximos infortúnios, que com certeza virão, diga somente, "Não se preocupe com isto." (no caso da barata) e "Não, obrigada. Acabei e lanchar." (no caso dos quitutes).
Você é uma figura!!!!
Beijo! Te amo!
Tô aqui rindo dessa sua "desbaratinada" aventura gastronômica. Mais uma dica para seu kit de sobrevivência:carregue sempre um daqueles copos retráteis. Fiquei imaginando você, com toda a frescura que lhe é peculiar, tendo de beber o chá do matinho depois do copo de suco sujo, rsrs.
ExcluirTá vendo? Nem todo o gelzinho do mundo será capaz de mantê-la a salvo da sujeira oportunista.
ISA: de boa, seu comentário foi mais engraçado que o texto...rsrs. Ontem eu estava no bar quando li, o povo achou que eu estava passando mal, porque rachei de rir, ou seja, ri em abundância, vc entendeu, né?...rsrs
ExcluirMÃE: "pela educação que mamãe continua me dando"... Tô aprendendo...rsrs. Valeu pelas dicas, da próxima vez entro muda e saio calada, torcendo pra que a anfitriã não saiba LIBRAS...
NATINHA: Vc me deu uma boa idéia, copos e talheres descartáveis vão ter um lugarzinho especial na minha bagagem, a partir de agora. Contra a "Sujeira oportunista", só mesmo a "Frescura precavida"! Valeu!
Nossa, que desastre completo, hehehehe... Pra ser educada, foi vista pela anfitriã como uma porca criadora d baratas,kkkk.
ResponderExcluirEu não acredito q vc inventou essa dieta, desconfio que a dona da casa percebeu, d imediato, sua mentira sem pé nem cabeça e inventou uma outra a altura.
Imagino q o lanche estava uma delícia: chá de uma moita onde ficam baratas, tomado em um copo sujo d batom. Já imaginou qual seria o recheio da empadinha??? heheh
Da próxima vez, siga os conselhos da mamãe!!! ;)
Esqueci: Dalila.
ResponderExcluirDalila... ah, sei lá, nem tem como responder seus comentários, vc pega muito no meu pé, acho que vc não gosta de mim...rsrsrs.
ExcluirComo vc mesma disse uma vez: ou eu sou muito fresca, ou vc que é muito porca... Se fosse vc lá, aposto que pediria chá da própria barata, porque com você o sistema é bruto!
Mesmo assim: valeu! Bjs.
Com certeza... os comentários e as respostas estão engraçados! oh povo criativo!!!
ResponderExcluiramo ♥
O nome da dieta foi o melhor, hahahahaha!
ResponderExcluirAdorei a estória ou história!
Olá, Auíri, obrigada pela visita!
ExcluirEstá mais pra "estória mesmo"...rsrs.
Também andei bisbilhotando seu blog. http://sinceroecareta.blogspot.com.br/
Muito bom!
Dariam bons curtas metragens suas crônicas viu!! Muito leve e divertido o texto, cada dia vc fica melhor hendye!!!
ResponderExcluirOs comentários são outra atração a parte!!! Isso lá é bem verdade!!!
Ahhhh.. fala pra mim que vc tb pesquisa no google algumas coisas antes de escrever, por favor!!! Quando li o nome científico da barata fiquei realmente preocupado com sua sanidade mental! Hehehehe..
Que nada, colega!
ResponderExcluirO nome científico da barata eu sei desde quando trabalhava na Kirei, Controle de Pragas!...rsrs
Valeu! Abração! Saudades! Obrigada por passar por aqui!
Oi, Hendye!!! Não sei se cheguei a comentar com você, mas eu sempre tive muita preguiça de acessar blogs, daí a minha relutância em ler os seus contos. Imaginava que, sendo de sua autoria, eu teria que ficar com um dicionário ao lado para entender as palavras rebuscadas que só você conhece. Mas tal foi a minha surpresa ao deparar com textos muito bem escritos e, ao mesmo tempo, leves e divertidos.
ResponderExcluirSó agora entendi o que a Edilza me disse um dia: “Você ainda não acessou o blog da Hendye? Nossa, você tem que ver, é muito legal! Tem hora que eu nem acredito que foi ela quem escreveu!” kkkkkkk! Mais ou menos assim...
Pois é, descobri que você é uma escritora de verdade, e por sinal, muito talentosa. Já estou esperando ansiosamente pelos próximos “causos”. Bjs, Kennya.
Valeu, Kennya! Que bom que vc finalmente veio aqui!
ExcluirE obrigada pelos elogios, se é que posso considerar assim...rsrsr. Mas, concordo, nem parece que eu que escrevi...rsrs.
Volte sempre!
Esqueci de dizer que rolei de rir, principalmente da parte em que você começa a imaginar que a marca de batom foi feita pela boca da própria barata! Kkkkk! Só você mesmo!!!!!
ResponderExcluirAh, depois você me conta quem era a colega de trabalho, viu? Prometo não dar abrangência.
Kennya.
Tem uma outra escritora (um pouquinho mais conhecida que você) que também tem reações intensas ao se confrontar com baratas. Amo ambas!
ResponderExcluirO blog tá ótimo, os textos super bem escritos! Parabéns!!!
Os comentários de seus leitores são uma atração à parte.
Grande beijo. Força sempre!
Edilza
Valeu, Pratinha!
Excluir"Um pouquinho mais conhecida", aí eu fui e acordei...rsrsrs.
Realmente, os comentários enriquecem muito isso aqui, os seus inclusive!
Valeu pela força, sempre!