domingo, 2 de setembro de 2012

A culpa é do Jorge





“(...) o Buraco Negro, por onde desaparecem, no infinito do esquecimento
e do nada, os objetos definitivamente perdidos.
(...) Contra o Buraco Negro, por onde nós mesmos um dia
seremos sugados, simplesmente não há solução.”
(Fernando Sabino)



Tem gente que tem mania de perder coisas. Li, em Sabino, que deve existir um buraco negro onde vão parar todas as coisas sumidas e perdidas do mundo. Uma seção cósmica de “achados e perdidos”.

Com toda certeza, lá em casa tem um buraco negro desses. Deve ficar no corredor, cujas coordenadas geográficas são estratégicas para receber os objetos desaparecidos do quarto, do banheiro, da sala e do escritório. E, por sedex, os objetos que perco na rua. Sua profundidade não será medida em palmos, como todo buraco que se preze, mas já em hectares, pois são incontáveis os objetos que consigo fazer desaparecer, como um Midas do ostracismo: tudo o que toco, em vez de virar ouro, desaparece para sempre. A situação é calamitosa. Em minha residência tão mundana, São Longuinho é dos poucos santos para quem eu faria um pequeno oratório e, eventualmente, acenderia algumas velas – isso, é claro, se eu conseguisse encontrar a caixa de fósforos que sumiu anteontem.

Até aí, normal. O que já começa a estranhar é que essa mesma pessoa – no caso, eu – tenha mania também de fazer listas. Todas as modalidades de lista. Tenho as listas clássicas - filmes vistos, livros lidos, livros adquiridos, lugares visitados (com os pormenores de cada passeio), CDs e DVDs, objetos emprestados. E de vez em quando cismo de fazer listas mais insólitas. Hoje mesmo, tendo perdido o terceiro fone de ouvido do mês, pensei em fazer uma lista de objetos que somem. Como não achei a caneta, desisti da empreitada.

É um contrassenso: sumir as coisas normalmente é característica de gente desorganizada; fazer listas, ao contrário, é costume de quem gosta de se organizar. Dizem que sou bastante organizada. Os desafetos dizem mais: que isso, em mim, beira à neurose. Na minha gaveta da sala, os CDs e DVDs estão organizados por ordem alfabética, para facilitar sua rápida localização. Na estante da biblioteca, os livros agrupam-se por categoria: literatura em língua portuguesa, literatura em língua estrangeira, poesia, coleções, livros infantis, livros de cinema, e, relegados às áreas mais empoeiradas e menos acessíveis do móvel, os livros jurídicos dividem espaço com auto-ajuda empresarial. E para ocupar uma vaga nessa minha estante já esquadrinhada, os livros devem antes passar pela catalogação na lista que mantenho no computador (e agora na nuvem do google), onde inscrevo o nome da obra, do autor, editora, procedência e observações relevantes (ex.: se está autografado, se foi comprado em viagem, se foi presente, se foi surrupiado de algum amigo incauto etc). Na minha casa, as coisas têm seu devido lugar – entretanto, somem.

Por isso resolvi escrever essa crônica, que já vai pelo fim – tentativa vã de compreender esse paradoxo existencial: o de ser ao mesmo tempo a pessoa que “faz listas” e a pessoa que “some coisas”. Criaturas assim são, de ordinário, incompatíveis, como já disse. Não podem ocupar o mesmo ser. Cabe exorcizar uma delas, ou, solução mais humana, botar a culpa em alguém.

E como não tenho irmão a quem atribuir meus infortúnios domésticos, só posso crer que, a despeito de todo meu esforço organizacional, existe um ser invisível que sorrateiramente subtrai as minhas coisas e nunca mais as devolve. O leitor que é assíduo dessas pequenas crônicas já advinha que a conclusão possível é somente uma: a culpa é do Jorge.



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PS.: Se você é recém-chegado nessas paragens, e ainda não sabe quem diabos é Jorge, descubra aqui: "Salve, Jorge!".


19 comentários:

  1. KKKKKKKK'...adorei essa crônica,dei até umas risadinhas...haha
    E essas frases?!
    "..pensei em fazer uma lista de objetos que somem. Como não achei a caneta, desisti da empreitada."

    "se foi surrupiado de algum amigo incauto..."

    Merece oscar de melhores frases do ano!
    Sem contar as imagens que tem tudo a ver com cada crônica! Fantástico!

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  2. Valeu, Isinha!!!

    Ainda tá na minha agenda ir na sua casa pra vc me ensinar a fazer uma página do facebook para frases (sei lá, acho que é isso...rs).

    Beijos!

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    1. KKKKKKKKKK'...é mais ou menos isso sim,eu acho! rsrs

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  3. Humor finíssimo! [A auto-ajuda empresarial faz parte do humor? (Não precisa responder... rs)]. Sem deixar de ser uma boa auto-análise...

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    1. Valeu, Fernando!

      Digamos que auto-ajuda empresarial seja um meia verdade...rsrs.
      Abraços!

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  4. Só por segurança: vc (ou o Jorge) tem costume de perder coisas alheias tbm?? Meu livro, meu filme, meu tênis... Ai meu Deus, preocupei... hohohoho.

    Bjs!!
    Dalila.

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    1. Dalila, vc não sabe porque não leu, mas a epígrafe dessa crônica eu tirei do livro que vc me emprestou, "O gato sou eu", o qual nunca mais você terá de volta...

      hohohohoho
      (quem ri por último ri melhor)

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    2. Além d perder coisas, vc tbm surrupia as alheias?? Mas num tem problema não... lembra da sua jaqueta??? Pois é!

      hohohohoho
      (quem ri por último, ri muito melhor)

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  5. Você...? perdendo coisas...? kkkkkkk

    Só não perde o bom humor... quer dizer, só de vez em quando! rs ♥

    Bem, se perde tanto as coisas assim, não sei. Mas, que demora pra encontrar algo, isso sim! rs Lembra de quando era pequena???

    "Gra, pega aquilo ali pra mim? O que tia? aquele negócio ali... rsrss Não tô vendo!!! Ali ohhhhhh (eu pegava seu dedinho e apontava pra "coisa" em questão)" kkkkkkkkkkkkkk Lembra???!!!

    Te amo!!! ♥

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    1. Ô, Tia, que boas lembranças!!!! Me lembro disso sim, e sou assim até hoje. Pra achar qualquer coisa demora séculos, e mesmo assim alguém precisa apontar... Talvez ainda faça uma crônica sobre isso...rsrs

      Mas vou te confessar: a parte de perder as coisas foi inspirada numa certa pessoa que consegue perder até ferro de passar roupa!! Advinha quem...

      Beijos! Valeu!

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  6. Realmente virei seu fã. Não foi apenas a primeira vista.

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    1. Muitíssimo obrigada, Léo!

      Passeie também pelas crônicas anteriores, espero que goste! É muito bom ter um leitor entusiasmado como você!

      Grande abraço!

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  7. KKKKKKKKKKK. Bem a sua cara essa crônica. Você não acha nada mesmo. Da próxima vez vamos descobrir onde está o "buraco negro". Mas concordo com você. A culpa é do Jorge. Aí, pode apelar pra São Longuinho mesmo. Só ele pra dar jeito.

    Beijo. Te amo!

    Mamãe

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    1. Uai, mãe, ficou assídua aqui, ein! Agora que a internet voltou, né...rsrs.

      Pois é, agora descobrimos de quem é a culpa da minha lerdeza...rs

      Beijos!

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    2. Coitado do jorge!!! kkkkkkkkk
      E lembra da Terezinha, Grá??? kkkkkkkkkkkk ai que saudade!!!
      amo vcs...
      O ferro de passar roupa?????? será tia má!???????? kkkkkkkkkkk ♥

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  8. Uai! Você não vivia reclamando que todo mundo acessava seu blog, menos eu? Pois é, fiquei fã. Beijo.

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  9. Acho que é esse tal "buraco negro" que leva embora todas as minhas resoluções de ano novo. Ou será que o Jorge sai pra passear de vez em quando?

    Adorei a crônica. Eu também vivo perdendo as minhas coisas. Umas, perco sozinha, outras, perco pros outros, rsrs...

    Abraços!

    Edilza

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    1. Pois é, Jorge é meu comparsa...

      Mas ainda não tinha pensado nisso. Acho que o buraco negro leva embora também minhas resoluções de ano novo, minhas dietas de segunda-feira, meus estudos de fim de semana...rsrs

      Gracias!

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