“Aos 20 anos, eu sabia latim, mas não sabia tomar um
bonde.”
(Carlos Heitor Cony)
Você percebe que está se tornando verdadeiramente
uma dona-de-casa quando as suas resoluções de ano novo começam a ficar
diferentes. Nada de “economizar para a viagem dos meus sonhos”, “estudar para o
concurso da Receita Federal”, “fazer matrícula na academia”. Neste ano novo eu
me flagrei fazendo planos assim: “não deixar acumular louça suja por mais de uma
semana”; “limpar o banheiro antes de começar a feder”; “fazer as compras da semana
pelo menos uma vez ao mês”; “tirar o lixo ao primeiro sinal de seres vivos
dentro dele”.
Quando a pessoa sai da casa dos pais e vai
morar sozinha, ela usa seu senso comum pré‑adquirido em novelas da TV, comédias
românticas do cinema, blogs da internet e gibis da Turma da Mônica, medita dois
minutos sobre o assunto e acha que está preparada para assumir sozinha todas as
responsabilidades de uma casa e da própria vida. Todo mundo conhece esta matemática:
das vinte e quatro horas do dia, eu trabalho oito, durmo oito, sobram mais oito
horas para o resto. Isso é mais que suficiente pra cuidar da arrumação da casa,
da higiene pessoal e ainda sobrar umas horinhas, no fim de semana, para o
lazer. Pronto, a pessoa se acha preparada para a lide doméstica, arruma sua
trouxa e – trouxa! – vai saltitante enfrentar o mundo.
Não nego que morar longe dos cuidados da
mamãe seja ótimo para o amadurecimento pessoal, o fortalecimento do caráter, o
crescimento do espírito. Principalmente se a mamãe continua disponível pra te
receber de vez em quando, te fazer uns afagos e uma marmitinha quente pra você comer
no almoço. Sendo assim, nada de arrependimentos. Mas isto é inegável: ao sair
de casa, ninguém está totalmente ciente do que a vida nova lhe reserva.
E os desafios vão sendo surpreendentes. Você
sabe que tem de tirar o lixo regularmente, mas só quando começam a aparecer
umas minhoquinhas brancas do lado de fora do saco plástico é que você percebe
que precisa lavar a lixeira de vez em quando. Você sabe que tem de fazer
limpezas periódicas nos cômodos, mas não se lembra da sua mãe tendo de expulsar
todo dia os insetos que entram na sua casa toda noite, sabe-se lá por onde. Você
nunca havia se dado conta de que sujava tanta roupa, de que o gás acabava tão
rápido, de que as vasilhas de plástico que você tem nunca cabem no espaço
reservado a elas. Você não fazia ideia de que precisava descongelar o freezer
de vez em quando, afinal nunca viu num filme o mocinho tentando abrir a porta
presa pelo gelo, ou a mocinha limpando as grades da geladeira. E, acima de
tudo, você se sente só: não tem outra pessoa pra lidar com o síndico, o
encanador, o eletricista, a moça do censo, o vendedor de enciclopédias e o
cachorro do vizinho. Agora é com você!
Você enfrenta isso tudo e vai se tornando
mais confiante. Depois de três anos e meio, vai até gostando. Mesmo assim, tomei
um susto quando me dei conta de que as necessidades domésticas invadiram meus
planos de ano novo. Aprender a me virar sozinha foi importante, mas sempre me
bate um medinho de ser dona-de-casa até demais. Acho que gostava de ser do tipo
“pseudo-intelectual-pedante-displicente” do que “dona-de-casa-ex-desleixada-quase-exemplar”.
Talvez seja só uma fase, dentre tantas que foram e que virão (a vida tem mais
fases que o jogo do Mário no SuperNintendo). Hoje, quando passo por algum
shopping center, o que mais ocupa o meu tempo e leva meu dinheiro ainda são as
livrarias. Mas – perigo! – as lojas da Tok & Stok já estão em segundo
lugar...
***
Posfácio
absolutamente inútil:
Ela: “Que delícia, adorei a crônica! Mas deixa eu te
dar uma dica, só pra atualizar.”
Eu: “É sobre o vendedor de enciclopédias”?
Ela: “Não. É que as fases do Mário são extremamente
limitadas se você já jogou AQW.”
Eu: “Hein?”
Ela: “Esse é um jogo que meus meninos jogam. Não acaba.
Simplesmente.”
Eu: “Ah, mas não é o jogo que EU joguei”.
Ela: “É mesmo! Óbvio que quem tá na fase de dona de
casa se lembra é do Super Mário mesmo!”
Eu: “Mas eu não poderia dizer que a vida tem mais fases
que o AQW...”
Ela: “Por quê?”
Eu: “Porque a vida acaba!”
Ela: “Credo. Até numa crônica tão fofa você consegue
vir falando, ainda que nas entrelinhas, sobre a efemeridade da vida!!!”
Eu: “O.o”
É a realidade doméstica. Mas eu ainda quero ser um desses que moram sozinhos!!!!
ResponderExcluirBem, pelo menos eu já estou acostumada a arrumar a casa todos os dias... rsrs
ResponderExcluireu to viciada nas suas crônicas,simplesmente!
ResponderExcluirQue bom! (seja lá quem for...rsrs). Valeu!
ExcluirAi, ai!!! Tô tão "Dona de Casa" que nem tempo tenho pra viajar pela Web, ler Crônica do Blog, Facebook, etc´.
ResponderExcluirÓtima essa crônica.
Beijos.
Mamãe.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirfico cada vez mais inteligente e feliz vindo aqui, te lendo! quanto tempo, jorge! tô aqui trocando fralda, entendendo a dinâmica da vida nova, depressa pra não assar, devagar pra poder dormir... um amor doido! Não sei dizer quando me perguntam, é infinito, uma transição, um abismo (vindo aqui lembrei-me como eu sabia me expressar escrevendo - sem regras da abnt - sem tcc que já ta chegando - óh, chronos! a tempo escorre...) suspiro! esqueço a louça, o selfie, os outros ou o egoísmo e me encanto quando meu peito alimenta Lira, fecho os olhos quando ela me vê (e me acha) - todo dia uma nuance, uma delicadeza, um choro meu ou dela, é estranho, me abocanha. Quero ainda passear com vocês... com ela... que ja veste a roupinha que você deu!
ResponderExcluir(ótimo post! falei demais dimim! volto logo! você é demais! Exclamação final!).
Ei Carol!! Feliz fico eu quando vc aparece por aqui! Volte logo, volte sempre, fale de você, de Liroca, das descobertas da vida nova, do que vc quiser, moça!...Sinta-se em casa aqui na casa do Jorge. Valeu demais!
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